quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Mas... Os russos estão chegando

Ray MacGovern

1/2/2012, Ray McGovern, Consortium News
“Divining the Truth about Iran” Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu]

Preparando-me para assistir aos mais altos agentes da inteligência dos EUA apresentar à Comissão de Inteligência do Senado o relatório “Worldwide Threat Assessment” [Avaliação de Ameaças em Todo o Mundo], peguei-me conjecturando se partiriam da ideia consensual (embora politicamente sensível), de que o Irã NÃO está trabalhando para construir arma atômica.

Ano passado, ao apresentar sua versão do mesmo documento, o Diretor Nacional de Inteligência James Clapper [foto ao lado] fez pé firme e não se
afastou dessa ideia, apesar da violenta pressão para que pintasse o Irã em termos mais ameaçadores. Na 3ª-feira, foi um alívio ver no depoimento de Clapper uma reiteração das conclusões do Relatório NIE (National Intelligence Estimate), de novembro de 2007, assinado unanimemente pelas 16 agências de inteligência dos EUA, no qual se liam avaliações como a seguinte:

“Avaliamos, baseados em informação altamente confiável, que, no outono de 2003, Teerã suspendeu seu programa de armas nucleares (...). A decisão de Teerã, de suspender seu programa de armas nucleares, sugere que o país está menos determinado a desenvolver armas nucleares do que nós supomos desde 2005.”

Desgraçadamente, essa avaliação ainda soa como completa novidade para muitos norte-americanos, alimentados de informação com a gororoba pobre em proteínas que lhes é servida pela Mídia-Empresa de Bajulação Servil (MEBS) – apesar de o Relatório NIE não ser confidencial desde 2007 e de ser de domínio público já há mais de quatro anos.

Que o ex-presidente George W. Bush não gostou daquelas conclusões, sim, é verdade: Bush detestou as conclusões do NIE. Num raro comentário franco que se lê em suas memórias, Decision Points, Bush lamenta amargamente que “o NIE amarrou minhas mãos, pelo lado militar”, porque o impediu de atacar o Irã. Invadir o Irã era, exatamente, o que mais desejava fazer o vice-presidente linha duríssima, Dick Cheney, com sua tese de doutoramento, summa cum lauda, “Guerra Preventiva”.

E a Mídia-Empresa de Bajulação Servil (MEBS) dos EUA insiste em ignorar, sempre e sempre, o relatório NIE, que é documento oficial do governo dos EUA, e só faz repetir matérias que ecoam e ampliam infinitamente a ameaça nuclear iraniana – que não existe. De fato, se você se dedica a analisar linha a linha o que é efetivamente publicado e repetido, vê-se que fazem referência sempre a uma suposta “capacidade para construir” armas nucleares, mais do que afirmação comprovada de que o Irã esteja, de fato, construindo uma bomba.

A distinção é importante, mas sutil demais e suficiente para mais desinformar que informar. Leitores menos atentos são induzidos a concluir que, sim, o Irã está construindo uma bomba atômica.

A deriva retórica que se observa na Mídia-Empresa de Bajulação Servil (MEBS), de aberta acusação ao Irã por “construir” bombas atômicas, transformada em “acumular capacidade para construí-las” faz lembrar o golpe de Bush – quando deixou de falar de supostos “arsenais” de armas de destruição em massa, e passou a falar dos “programas” de armas de destruição em massa do Iraque – depois que o mundo soube que não havia nem jamais houvera os tais “arsenais” de armas de destruição em massa.

Estranhamente, nem depois que fontes israelenses concordaram nesse ponto chave – de que o Irã NÃO ESTÁ construindo bombas atômicas – como disseram recentemente o jornal israelense Haaretz e o ministro da Defesa Ehud Barak – a Mídia-Empresa de Bajulação Servil (MEBS) nos EUA mudou de tom: ela continuou a semear a impressão, entre os norte-americanos, que o Irã estaria a poucos dias de ter bombas atômicas. Sobre isso, ver “US/Israel: Iran NOT Building Nukes” (em inglês).

Não se encontra praticamente nunca, em nenhum grande jornal dos EUA, a informação – distribuída por 16 agências norte-americanas de inteligência – de que o Irã NÃO está construindo armas nucleares. No máximo, leem-se frases elaboradas, nas quais ficamos sabendo que o Irã negou que esteja construindo bombas atômicas. Tampouco se leem referências ao fato, comprovadíssimo, de que Israel, sim, possui sofisticado arsenal de armas nucleares.

Fale “como-se-fosse” informe de inteligência

De qualquer modo, ainda é confortador ver agentes da inteligência dos EUA que resistem e não se curvam aos ventos políticos dominantes, como curvaram-se o maleável diretor da CIA, George Tenet, e seu vice, John McLaughlin, que orquestraram o relatório NIE de 2002 – uma fraude – sobre “as armas de destruição em massa” iraquianas.

Depois que caíram em desgraça (por ter contribuído para a carnificina que foi a guerra no Iraque), as estimativas da inteligência passaram a ser elaboradas por sangue novo, gente de melhor qualidade. Em termos profissionais, não precisaria muito, para ser melhor que aqueles dois. Mas coragem é artigo raro, no mundo carreirista da Washington oficial.

Aconteceu, sim, que os novos agentes fizeram, de fato, avaliação real de todas as evidências que havia sobre o desenvolvimento do programa nuclear iraniano. As conclusões que apresentaram foram construídas a partir do material que havia, não a partir do que os políticos mandassem concluir; disseram a verdade ao poder e, nesse processo, ajudaram a impedir mais uma guerra desastrosa.

Mas agora, outra vez, há bons motivos para temer que os agentes de inteligência estejam a ponto de sucumbir ante a pressão do que se conhece como “politicamente correto”. E fato decisivo nesse processo perigoso é o incansável movimento que se vê na Mídia-Empresa de Bajulação Servil (MEBS), que ecoa os medos hiperbólicos do governo de Israel sobre a “ameaça nuclear” iraniana.

A Mídia-Empresa de Bajulação Servil (MEBS), por exemplo, cobriu em tom inadmissivelmente inflamado um relatório absolutamente enviesado, de novembro de 2011, produzido pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) sobre o Irã. A Mídia-Empresa de Bajulação Servil (MEBS) ignorou todas as evidências acessíveis nos documentos publicados por WikiLeaks, que mostravam que a nova diretoria da AIEA trabalha, por baixo dos panos, em colaboração com funcionários dos EUA e de Israel (sobre isso, ver em: “Slanting the Case on Iran’s Nukes”, em inglês) E sempre houve crescente suspeita e preocupação, com a ideia de que o diretor Clapper, da Inteligência Nacional, pudesse ser manobrado pelo novo diretor da CIA, David Petraeus, general de quatro estrelas, aposentado, que sempre contou com a admiração incondicional do Congresso dos EUA.

A fala vaidosa do próprio Petraeus, mostrou-o rastejante aos pés do lobby israelense - ler em: “Neocons, Likud Conquer DC, Again” (em inglês) – a ponto de desdizer o que ele próprio havia dito em depoimento ao Congresso em março de 2010, numa curta passagem na qual deixara implícita sua crítica à intransigência dos israelenses na questão dos palestinos.

E-mails revelaram um Petraeus que suplicava a Max Boot, da revista Commentary dos neoconservadores, que o ajudasse a enfrentar as críticas que estava recebendo de círculos conservadores, por causa daquele raro momento de honestidade, que lhe escapara naquele depoimento ao Senado, cuidadosamente ensaiado nos outros mínimos detalhes. Petraeus mostrou os e-mails ao blogueiro James Morris, que os publicou. (sobre isso, ver 2/7/2010, “Petraeus emails show general scheming with journalist to get out pro-Israel storyline”, em inglês)

Dia 31/1 passado, Petraeus outra vez macaqueava o que os neoconservadores diziam sobre o relatório da AIEA: “O relatório da AIEA reflete muito acuradamente a realidade, a situação em campo. É o documento de autoridade, que informa a opinião pública de todos os países do mundo sobre a situação lá” (ver em “Intelligence Reports Still Show Iran Undecided on Nuclear Weapons”, em inglês).

É comentário espantoso, vindo do diretor da CIA, agência que tanto contribuiu para a formulação do NIE 2007, que pouco tem a ver com o relatório que a AIEA elaborou, relatório político, sem qualquer valor documental, elaborado para “comprovar” que o Irã estaria acumulando a expertise necessária para construir uma bomba atômica.

De fato, há várias coincidências entre o que a AIEA diz do programa nuclear iraniano e o que se lia no NIE, mas nada que se consiga ver, se só se consideram as informações distribuídas pela Mídia-Empresa de Bajulação Servil (MEBS). O relatório da AIEA não foi escrito para incendiar mato seco, e observa que grande parte dos desenvolvimentos do programa iraniano aconteceram antes do outono de 2003 – exatamente quando, segundo o NIE, o Irã abandonou o programa de armas atômicas.

Mesmo assim, praticamente todos os “especialistas” de jornal e televisão e os políticos, só fizeram repetir interpretações distorcidas do relatório da AIEA: que o relatório desmentiria o NIE e que o Irã estaria retomando a construção da bomba. As duas interpretações são falsas, mas foram repetidas vezes suficientes para que chegassem como verdades à opinião pública e ao Congresso – como se vê claramente nos comentários de Petraeus.

Como Petraeus sabe melhor que muita gente, o “National Intelligence Estimate” é avaliação elaborada pela inteligência oficial dos EUA, que o governo considera “documento de autoridade”. Senti vergonha, mas não surpresa, que Petraeus tenha-se identificado mais com uma agência política, como a AIEA, que com a comunidade de inteligência dos EUA. Servilismo desavergonhado, do qual Clapper – e ele pode-se orgulhar disso – jamais se aproximou.

Do modo como sopram os ventos da Casa Branca e do Senado, porém, acho que em breve Petraeus assumirá o cargo de seu atual superior nominal. E Clapper será demitido, por serviços sujos não prestados.

O (sujo) papel da mídia

Como parece ser já rotina, a Mídia-Empresa de Bajulação Servil (MEBS) ofereceu miserável dose de fatos na 3ª-feira – e muita distorção. Praticamente nenhuma menção ao que Clapper disse (que o Irã NÃO está construindo armas atômicas). E toda a Mídia-Empresa de Bajulação Servil (MEBS) discretamente voltou todos os olhos e ouvidos para a fala definitiva do secretário de Defesa Leon Panetta, sobre o assunto, dia 8/1.

O Washington Post publicou artigo de Greg Miller intitulado “Irã, ante ameaça do ocidente, disposto a atacar em solo dos EUA, diz relatório da inteligência”. O mesmo título foi reduzido para caber na manchete da primeira página, ao lado de uma foto do casal Romney sorridente: “Espiões dos EUA veem novo risco iraniano: Teerã mais próxima de atacar em solo americano”.

Para sua história, Miller selecionou dois pequenos parágrafos, nos quais Clapper diz que alguns oficiais iranianos – entre os quais, provavelmente, o Supremo Líder Ali Khamenei – “estão mais dispostos a atacar os EUA, em resposta a ações reais ou percebidas como ameaças ao sistema”.

Em resposta instantânea, Glen Greenwald, blogueiro de Salon, descreveu o artigo de Miller – corretamente – como “monumental estenografia jornalística sem substância”; e pergunta se alguém ainda duvida “que esteja em curso campanha pró-guerra, orquestrada pela imprensa, contra o Irã”.

Como teria de ser e foi, Eric Schmitt, do New York Times, escreveu praticamente a mesma coisa, no mesmo tom: “Alguns líderes iranianos estão hoje mais dispostos a atacar em solo dos EUA, em resposta a ameaças percebidas contra seu país”, e citou fontes da inteligência dos EUA.

Não é implicância observar que o Times (NY) apagou as palavras “real ou”, da fala de Clapper (“em resposta a ameaças reais ou percebidas contra o regime”). Assim, se surrupiou a informação de que o Irã pode, sim, estar sofrendo ameaças “reais”, dos EUA. Tanto trabalho de organizar palavras, para... obter uma guerra?!

Como se ainda faltassem provas do enviesamento da informação que chega à opinião pública, o blogueiro Michael Rozeff deu-se o trabalho de aproximar dois fragmentos desconectados da fala de Clapper, para dar a impressão que o Irã estaria enriquecendo urânio exclusivamente para atacar os EUA.

E quem informará a verdade à opinião pública?

Como ex-analista de assuntos soviéticos, aprendi a dissecar imprensa controlada e acabrestada. Fui agente de ligação com a Radio Free Europe e a Radio Liberty no final dos anos 60s, e aprendi a invadir áreas proibidas usando o rádio e outros meios.

Aquelas duas rádios, além da VOA e da BBC, tiveram papel chave para informar os russos e o Leste da Europa sobre o que se passava no resto do mundo. Agora, se trata de romper a cortina da mídia-empresa ocidental, para informar os norte-americanos e o ocidente sobre o resto do mundo!

E é deliciosa ironia que – como direi? –, agora, sejam os russos – “Os russos estão chegando!” – que aparecem em nosso socorro, ajudando-nos a romper a barreira da Mídia-Empresa de Bajulação Servil (MEBS) ocidental, e tornam acessível aos cidadãos norte-americanos, um pensamento que não é o pensamento daquela Mídia-Empresa de Bajulação Servil (MEBS) ocidental. Enquanto os senadores faziam o possível para não ouvir o que Clapper dizia, a rede Russia Today procurou-me, querendo uma entrevista para o noticiário da noite.

Sabendo que minha velha amiga, secretária Hillary Clinton, já elogiou o jornalismo da rede Russia Today, nem cogitei de pedir-lhe autorização para a entrevista. Os interessados – espero que alguém se interesse – podem ouvir minha entrevista (em inglês) em: Alternative News Blog; “RTAmerica interviews Ray McGovern on Iran/Israel/U.S. Intelligence” a seguir:

Going to war with Iran on an "if"?
















http://www.youtube.com/watch?v=ykG29YoC3o8&feature=player_embedded&noredirect=1

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Texto recebido por e-mail da redecastorphoto

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Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons

PressAA

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